Por Marcela Cornelli
Uma triste amostra do que está acontecendo no mundo do trabalho pôde ser vista no III Tribunal Popular do Assédio Moral e Sexual nas Relações de Trabalho, que aconteceu no dia 5 de março no Largo da Alfândega, em Florianópolis. Quem esteve no local conheceu o caso de uma trabalhadora que sofre assédio moral na empresa onde é funcionária por ter desenvolvido uma lesão por esforço repetitivo (LER), cada vez mais comum e hoje tratada com desdém pelas empresas.
Para simular o funcionamento de um tribunal, a advogada trabalhista Rosângela de Souza fez a defesa do caso de assédio. Ela usou argumentos que mostram a postura cínica das empresas, como o de que somente as mulheres é que “choramingam” e vão atrás de seus direitos. Também citou trechos de sentenças de juízes que não acolheram denúncias de assédio sexual, justificando a decisão por achar que não havia problema no fato de uma mulher levar uma “cantadinha”.
O vereador Nildomar Freire dos Santos, o Nildão, do PCdoB, fez a acusação das empresas. Ele observou que atualmente é moda o trabalhador ser chamado de “colaborador”, “parceiro”, para criar a falsa ilusão de que há igualdade na relação com os patrões. Só que essa ilusão se desmancha completamente quando acontecem os casos de assédio moral e sexual. “O assédio é uma forma de violência permanente e continuada, que parte de um superior hierárquico. O assédio não é algo abstrato, ele se dá de uma classe sobre outra, uma violência de classe e de gênero”, afirmou Nildão, referindo-se ao fato de que, na maior parte dos casos, as mulheres é que são vítimas.
O vereador observou que um dos setores em que os casos de assédio moral proliferam é o de telemarketing, onde as condições de trabalho precárias se somam ao um estresse constante para dar conta das metas de vendas.
A presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Telemarketing e Empresas de Telefonia em Santa Catarina, Schirlei Ribeiro, acrescentou que o medo do desemprego faz o trabalhador se adequar ao perfil exigido pela empresa.
Violência – A médica do trabalho Margarida Barreto, que atua em São Paulo e publicou pela Educ/Fasesp o livro Violência, Saúde e Trabalho: Uma Jornada de Humilhações, foi convidada para falar no evento. Ela observou que é impossível compreender esse tipo de violência se não entendermos a sociedade que a produz: “A sociedade capitalista acumula riquezas, deixando o outro na condição de explorado para lhe extrair essas riquezas. A violência é ferramenta necessária para isso”, explica. Margarida observou que, quando as pessoas procuram emprego, passam por um longo processo de seleção: o tom da voz, o decote nas mulheres, o jeito de sentar… A isso se somam os testes psicológicos, a cor da pele, exame médico, a saúde completamente vasculhada. “Não se entra doente em uma empresa, quem tem doença fica de fora, e as humilhações estão inseridas aí, dentro do contexto econômico que as produz”.
A médica relatou episódios de assédio moral e sexual que exemplificam as condições de trabalho em muitas empresas. Numa indústria têxtil, as mulheres tinham os pés amarrados às máquinas se não tivessem o rendimento considerado adequado. Em outra empresa, quando os vendedores não cumpriam suas metas, eram obrigados a se vestir de mulher. Margarida também relatou um caso em que funcionárias eram oferecidas aos clientes para fazer programas.
A experiência da médica mostra que os assediados são principalmente os que adoecem. Um triste exemplo é o da LER. “A pessoa passa a ser humilhada, isolada e, aos poucos, vai virando motivo de chacota. Acaba por desistir do emprego ou é demitida, às vezes por justa causa”, constata Margarida. Também são alvo de assédio, segundo ela, os trabalhadores que questionam, os que são dirigentes sindicais e os que têm altos salários. “O questionador pode contagiar o coletivo, e deve ser eliminado e assediado, principalmente se for dirigente sindical”, ironizou Margarida, assumindo a ótica das empresas.
Uma das coisas que caracteriza o assédio é a repetitividade. Começa com um primeiro ato, um gesto, um suspiro. São os primeiros sintomas. Depois vêm as instruções confusas, e o trabalhador é impedido até de conversar. O ambiente começa a deixar a pessoa doente, com depressão, estresse, alteração de memória, pressão alta, gastrite… Aparecem a raiva e a vontade de vingança. Mas com elas também o medo e o silêncio. “O mais assustador é que isso vai se reproduzindo em outros espaços sociais, como a família”, constata a médica. Ao final do tribunal, que foi presidido pelo também médico Roberto Ruiz, ficou clara a necessidade de denunciar, buscar a Justiça e reforçar os laços de amizade e solidariedade, no sentido de fortalecer e organizar a resistência dos trabalhadores.
Fonte: SINTUFSC