Nas duas últimas semanas, uma série de operadores do Direito vem se manifestando de forma crítica e/ou contrária ao projeto de lei que saiu da Câmara e está no Senado, o PLC 30/2015, que amplia as terceirizações e precariza as relações de trabalho. Dois exemplos são o Presidente da Amatra12, Carlos Alberto Pereira de Castro, e a Juíza do Trabalho Zelaide de Souza Philippi, que deram resposta ao colunista Moacir Pereira, do Diário Catarinense, um defensor ardente da terceirização. Veja as respostas abaixo:
Texto enviado ao GRUPO RBS, em direito de resposta:
Presidente da Amatra12, Carlos Alberto Pereira de Castro
TERCEIRIZAÇÃO: ONDE A CORDA ARREBENTA
A respeito da publicação contida na coluna do jornalista Moacir Pereira, de 1º de maio, com o título “Falácias contra a terceirização” vimos a público, utilizando-nos do direito de resposta, manifestar nosso repúdio à adjetivação ofensiva feita pelo articulista, ao afirmar que são falaciosas – sinônimo de mentirosas – as observações feitas por mim e pela Dra. Zelaide de Souza Phillipi, também Juíza do Trabalho, sobre o tema.
Ao contrário do que tem sido veiculado quase como “pensamento único” na mídia, a terceirização tem como principal problema o descumprimento das leis já existentes – ao manter inúmeros trabalhadores sem carteira assinada, ou não lhes satisfazer os direitos mínimos.
Daí porque o projeto aprovado na Câmara dos Deputados nada resolve e, ao contrário do que se diz, não irá criar novos empregos. Postos de trabalho são criados por necessidade, quando a economia vai bem e é preciso aumentar a produção de bens e serviços. Ninguém “dá emprego” sem precisar.
Fala-se muito em “segurança jurídica”, mas esta continuará ausente, pois a velha fórmula “vá procurar seus direitos na Justiça” não mudará, salvo quando houver (1) o respeito aos contratos de trabalho e (2) uma fiscalização eficaz contra aqueles que não os cumprem.
O número de auditores fiscais do Min. Trabalho é indecente. Por esta razão, falsas cooperativas e “empresas de fachada” continuarão existindo, em níveis tão alarmantes quanto a criminalidade e o desrespeito aos direitos do consumidor. É o “jeitinho brasileiro” em ação. Se ninguém fiscaliza, os que se acham mais espertos atuam à margem da lei. E, com isso, a competitividade entre as empresas fica gravemente prejudicada.
O jornalista, ao atribuir aos argumentos acima a pecha de “inconsistência jurídica”, não cumpre o dever profissional de analisar o fato social sob mais de um ponto de vista, ficando aferrado a dogmas pregados por economistas, em vez de ouvir os atores sociais diretamente envolvidos no cotidiano do mundo do trabalho – magistrados com anos de atividade e milhares de processos analisados – e que, por isso, não aceitam o adjetivo de falaciosos. Não temos interesses particulares nessa discussão.
No país que tem mais de 13 mil leis em vigor, alardear que a lei prevê “regras claras contra calotes” é, no mínimo, ingenuidade. Se a segurança jurídica de uma sociedade fosse proporcional ao número de leis, o Brasil seria o 1º lugar neste quesito.
Que os leitores não se enganem: não faltam leis, falta o cumprimento delas. E a corda, como sempre, arrebenta do lado do mais fraco, o lado que o articulista insiste em fingir não ver. Com a palavra, os Senadores, dos quais se espera maior diálogo com a sociedade nesta matéria.
Postagem em resposta ao colunista Moacir Pereira
Zelaide de Souza Philippi – Juíza do Trabalho
Caro Jornalista Moacir Pereira!Sou Magistrada do Trabalho há oito anos, e nesta condição já trabalhei nos Estados de Paraná e em Santa Catarina em mais de 10 cidades. Posso lhe dizer com conhecimento de causa os efeitos nefastos que a terceirização acarreta no dia a dia dos trabalhadores e da sociedade.
O primeiro deles é a falta de identificação do trabalhador com a empresa, já que o seu posto de trabalho é rotativo e com um terceiro, que não é seu empregador. Em segundo lugar, gera a precarização das relações de trabalho, já que os terceirizados recebem salários e benefícios comprovadamente menores (cerca de 40%) dos trabalhadores que exercem função similar na empresa tomadora.
Além disso, os maiores índices de acidentes de trabalho estão com os trabalhadores terceirizados (cerca de cinco vezes maiores dos trabalhadores com vínculo direto), pois a vinculação fática não é com o seu empregador e sim com um terceiro, que não fornece treinamento, nem condições adequadas de segurança e medicina do trabalho.
Para exemplificar, desde que cheguei a esta cidade há um ano, todos os acidentes de trabalho que analisei no ramo da construção civil ocorreram com trabalhadores terceirizados e nenhum dos reclamados assume a responsabilidade. O empregador não fornece equipamentos mínimos de segurança como cintos e protetores auriculares e a construtora, dona da obra não fiscaliza alegando que não é seu dever. O resultado são trabalhadores mutilados e doentes, sendo todos custeados pelo sistema público de saúde e pelo INSS.
Em relação ao setor público, aí estão os maiores problemas. Pra teu conhecimento, os funcionários terceirizados que trabalhavam na fiscalização com os detectores de metais no Aeroporto (indicados na tua coluna) foram dispensados em 2013 em razão da rescisão do contrato da empresa prestadora com a Infraero e ninguém recebeu as verbas rescisórias. Nas audiências que realizo habitualmente sobre esse tema, é comovente ver esses trabalhadores necessitados tendo que enfrentar um calvário jurídico para receberem verbas para suprirem suas necessidades mais básicas, como a compra de alimentos.
O resultado da terceirização no setor público normalmente é este: a empresa prestadora de serviços “some” e o Ente Público tenta se valer da Lei de Licitações para se eximir da sua responsabilidade para não pagar os créditos trabalhistas e o trabalhador fica “a ver navios”. Esta mesma situação, vejo diariamente trabalhadores que prestam serviços para a Casan, Celesc, União, Estado e outros entes estatais que ficam anos para tentar receber seus direitos.
Outro enfoque importante: cada vez mais os bancos terceirizam parte das suas atividades (serviços) para não aplicarem as normas coletivas e direitos arduamente conquistados pela categoria dos bancários.
No entanto, esse trabalhador terceirizado que um dia trabalha num banco, no dia seguinte no outro e que percebe um parco salário pode ter acesso aos nossos dados bancários. Pergunto: Qual cliente gostaria que um trabalhador terceirizado que não tem vínculo com o banco e que não tem nenhuma expectativa de se inserir na instituição (já que é empregado de outra empresa) tivesse acesso aos dados da sua contra bancária, como: extratos, endereços, empréstimos, aplicações, etc.?
Realmente, a terceirização é uma realidade, mas os efeitos são esses.
Vivemos num mundo capitalista. Se a terceirização vai trazer empregos, vai ser a custo de outro desemprego ou então, de um trabalhador dispensado para se contratar dois terceirizados com o salário que era pago para um. Até hoje nunca vi milagre ocorrer: Se uma empresa comporta 500 trabalhadores na sua gestão, vão continuar sendo os mesmos 500 trabalhadores, sendo dispensados para contratar o equivalente com terceirizados com salários mais baixos.
Gostaria de lhe fazer um convite: venha alguns dias assistir audiências no Foro trabalhista de Florianópolis na Avenida Beira Mar Norte, n. 1588 (1º e 2º andar) e ver quais são os resultados na prática da terceirização. Minha lotação é na 7ª Vara do Trabalho e será um grande prazer recebê-lo como também de meus colegas.
Tenho certeza que a sua opinião não será mais a mesma colocada no dia de hoje na sua coluna, pois só se conhece os efeitos da relação de trabalho conhecendo a realidade.