Por Helcio Duarte Filho
O futuro do projeto salarial da categoria pode ser definido na greve por tempo indeterminado, já iniciada ou aprovada em oito estados e no Distrito Federal e apontada como decisiva para pautar o caminho que o substitutivo ao Projeto de Lei 6613/2009 tomará: se continuará parado na Comissão de Finanças da Câmara ou se será objeto de um acordo que envolva o governo e o Supremo Tribunal Federal, tendo a previsão de recursos no orçamento da União para 2015 e a sua aprovação asseguradas.
A pressão dos servidores levou o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, a incumbir o diretor-geral do STF, Amarildo Vieira de Oliveira, de se reunir com o secretário de Relações de Trabalho no Serviço Público do Ministério do Planejamento, Sérgio Mendonça, para tratar de projetos relativos a servidores e magistrados que envolvam recursos orçamentários. Nesta primeira reunião, o representante do governo Dilma Rousseff (PT) disse que só poderia negociar questões salariais com o Poder Judiciário caso haja uma determinação superior.
Após o encontro, o STF sinalizou que os presidentes dos tribunais superiores podem finalmente entrar em cena e cobrar do Executivo o respeito à autonomia entre os poderes. Os servidores sabem que tal possibilidade, por si só, não significa muito – para quebrar o bloqueio do governo será necessário jogar duro. Mas a notícia reforça a convicção de que a greve é necessária e poderá ditar até onde vai a pressão institucional e política do Poder Judiciário sobre o governo federal.
Greve de maio e junho abriu negociações
A mobilização que está sendo retomada dá continuidade à luta travada no segundo trimestre deste ano, quando servidores de cinco estados do país aderiram à greve nacional, definida de forma conjunta na reunião ampliada da federação nacional (Fenajufe). Apesar da participação de um número de sindicatos e estados aquém do necessário, a paralisação por tempo indeterminado no Rio Grande do Sul, na Bahia, em São Paulo, no Mato Grosso e em Alagoas puxou a mobilização nacional e pautou as reivindicações salariais da categoria em Brasília.
A principal conquista foi arrancar do Conselho Nacional de Justiça uma nova nota técnica sobre a PEC 59/2013, com posicionamento contrário ao Estatuto do Judiciário. A proposta de emenda constitucional já foi aprovada na Câmara e coloca em risco todos os direitos contidos no Regime Jurídico Único, além de ameaçar os planos de carreiras dos servidores.
Também foi a partir da aprovação da greve que a comissão de negociação, que reuniu representantes da Fenajufe e dos tribunais superiores, foi instalada no Supremo. Dali saiu a proposta de texto substitutivo para o PL 6613, encaminhada pela direção-geral do STF ao relator do projeto, deputado João Dado (SDD-SP), mas ainda não incorporada ao relatório por ele apresentado porque não traz a assinatura do presidente do STF.
De todo modo, a mobilização no primeiro semestre mudou o foco das discussões, antes voltadas para supostas soluções segmentadas e que fragmentavam a carreira, pondo em pauta a luta conjunta da categoria em defesa da recomposição geral dos salários na carreira única. Isto com base em um texto substitutivo que, se não resolve o problema das distorções, devolve aos salários o poder de compra que tinham em junho de 2006 e reduz discrepâncias da tabela salarial. Em oito anos, a inflação acumulada superou os 56%, de acordo com o IVC do Dieese, e comeu quase um terço do valor real dos salários – perdas apenas atenuadas com o reajuste de 15,8% parcelados em três vezes conquistado na greve unificada do funcionalismo de 2012.
Proposta orçamentária
A retomada da greve nacional tem um enorme desafio pela frente e acontece em momento decisivo. O desafio é fazer a presidente Dilma Rousseff (PT), candidata à reeleição, recuar de sua posição e negociar a proposta salarial do Judiciário. O momento é decisivo porque é agora que se definirá o teor da proposta orçamentária que o governo enviará ao Congresso – o Planejamento tem que apresentar o projeto até o final de agosto.
A movimentação dos servidores assegurou que os tribunais superiores enviassem ao ministério previsões orçamentárias que incluem o PL 6613. De acordo com a Direção-Geral do STF, os valores têm como base o impacto estimado para a nova versão da proposta salarial que consta no substitutivo do PL 6613, o texto construído em meio à greve passada.
É importante que tenha sido assim. O contrário seria um golpe contra a proposta salarial acordada na mesa de negociação. Mas, como já demonstrado em outros anos, é apenas mais um passo numa luta que, avalia-se, exigirá da categoria muita participação, mobilização e greve.
Reunião no Planejamento
Este nada fácil cenário foi confirmado na conversa que Amarildo teve com Sérgio Mendonça. De acordo com o relato do encontro repassado pelo diretor-geral ao coordenador-geral da Fenajufe Adilson Rodrigues, ele e o secretário-geral do MPU, Lauro Cardoso, foram recebidos de forma receptiva pelo representante do Planejamento.
A receptividade, porém, não foi além disso. Membro do governo destacado por Dilma para negociar com os servidores, Sérgio Mendonça voltou a dizer algo que vem falando desde março: o governo só admite discutir com servidores da esfera executiva questões salariais após 2015. Disse ainda que a atuação dele se limitava aos trabalhadores do Executivo, no que também repete a retórica de que o governo federal não interfere nas questões do Judiciário e do Legislativo – algo fantasioso quando se sabe que Dilma alterou os últimos orçamentos dos tribunais e da Procuradoria-Geral da República.
O secretário de Trabalho ressaltou que só pode negociar com o STF a partir de ordens superiores. No entanto, adiantou que considera o custo do PL 6613/2009 alto e que não acredita que caiba no orçamento de 2015. Segundo Amarildo, o resultado da conversa foi levado aos presidentes dos tribunais superiores, que se disseram dispostos a participar de nova reunião no ministério ou na Presidência da República para defender um espaço efetivo de negociação.
Possível nova reunião
O diretor-geral do STF negou que o governo tenha sinalizado a concessão de parte do projeto salarial para 2015, como ventilado por alguns. Neste ponto, Amarildo voltou a frisar que a posição do secretário foi de submeter qualquer negociação a uma autorização acima dele, o que, obviamente, passa pela Presidência da República. Disse ainda acreditar que uma nova reunião com o governo, com a participação dos presidentes dos tribunais, possa ocorrer nos próximos dias.
“Reiteramos ao Amarildo nosso pedido de audiência com Lewandowski e avisamos da mobilização em todo pais, inclusive o desafio de paralisar o TRE”, disse Adilson. Para ele, qualquer acordo com o governo Dilma só sairá sob forte pressão. Algo que a cúpula do Judiciário só levará adiante se, por sua vez, for muito cobrada pela greve e mobilização dos servidores. O movimento, observou, tem que ser nacional e de todos os ramos do Judiciário, mesmo que focado na Justiça Eleitoral, segmento que naturalmente ganha mais peso a dois meses da eleição.
É justamente a percepção dos trabalhadores de que sem mobilização não haverá reajuste e as perdas acumuladas em oito anos vão aumentar que fez a greve recomeçar com mais estados e perspectivas de crescer. É o que avalia Fagner Azeredo, dirigente do Sintrajufe-RS, um dos cinco sindicatos que tocaram a greve no primeiro semestre. “Os servidores perceberam a importância e dificuldade da tarefa de arrancar a negociação entre o Judiciário e o governo Dilma. Aprendemos com a greve de maio e junho que unidos podemos vencer, como fizemos ao derrotar a PEC 59”, disse. A própria sobrevivência da carreira, alertou, depende de certo modo desta luta: sem avanço do projeto salarial, o risco de a ameaça das carreiras fragmentadas voltar a ganhar força aumenta. “Não podemos aceitar que o empenho do STF seja direcionado apenas à pauta da magistratura e que as demandas dos servidores continuem sendo ignoradas”, afirmou.