Por Marcela Cornelli
O G21, grupo de países em desenvolvimento liderado por Brasil, Índia e África do Sul, obteve ontem, dia inaugural da 5ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio, uma primeira pequena vitória: o presidente da conferência, o chanceler mexicano Luis Ernesto Derbez, deu instruções para que o texto do grupo, mais ambicioso na liberalização da agricultura, seja tratado da mesma forma que o documento elaborado pelo embaixador uruguaio Carlos Pérez del Castillo, recusado pelo Brasil.
Derbez afirmou, em entrevista, que, por haver “similaridade de estrutura, de temas centrais e de substância”, o facilitador do grupo sobre agricultura deveria se concentrar nos objetivos a alcançar, não em qual texto seria a base.
O facilitador é o ministro de Comércio de Cingapura, George Yeo. Derbez pediu a ele que busque objetivos em todos os três pilares da negociação agrícola, a saber: redução do apoio doméstico; redução (ou eliminação, como prefere o G21) dos subsídios à exportação; e derrubada das tarifas de importação.
É claro que o importante é o andamento da negociação em si, mas o chanceler brasileiro, Celso Amorim, diz, com razão, que havia uma forte pressão para que a conferência adotasse como documento-base o texto de Del Castillo, presidente do Conselho Geral, o organismo que supervisiona as negociações de todos os temas.
O documento de Pérez del Castillo é bem menos ambicioso do que o do G21 em termos de liberalização agrícola, objetivo central do Brasil em Cancún.
Mesmo após a recomendação de Derbez ao grupo negociador, a pressão citada por Amorim não diminuiu. Gregor Kreuzhuber, porta-voz de Franz Fischler (comissário europeu para Agricultura), afirmou que o texto do G21 é “falho e inaceitável em certas áreas”. Foi além: criticou o fato de que “certos países fortes em exportações agrícolas estão pretendendo faturar (com a abertura do setor)”. É uma evidente acusação velada ao Brasil, país de fato forte em exportações agrícolas, que já representam 47% de suas exportações totais.
Pressão sobre europeus
Amorim, na conversa que teve ontem à tarde com os jornalistas, ensaiou uma resposta dura, mas engoliu em seco, e preferiu dizer: “Não vou nem responder”.
Os europeus também sentem a pressão, na medida em que se trata do conglomerado sempre tratado como culpado quando se fala em protecionismo agrícola.
Sentem tanto que convocaram uma entrevista coletiva para que seu especialista na matéria, Tassos Haniotis, tentasse provar que, desde 1992, a União Européia não está fazendo outra coisa a não ser reduzir o protecionismo. “É uma reforma gradual, lenta, que pode não ser sexy para as manchetes de jornais, mas é consistente”, disse Haniotis.
Kreuzhuber, por sua vez, tratou de cobrar do G21, ainda que sem mencioná-lo: “Ou se deixa a retórica de lado para discutir a substância ou não haverá acordo”.
O porta-voz europeu disse que, na reunião entre os delegados da UE e os brasileiros, idêntica posição fora exposta. Ou seja, depois que o G21 marcou posição com o seu papel, estaria na hora de sair da retranca, iniciar negociações e parar de dizer que, sem avanços na agricultura, nada mais avançará. Amorim rebate. Afirma, primeiro, que a posição do G21 não é retórica e, segundo, que o comportamento do grupo conseguiu “evitar o jogo fácil de dizer que somos nós que estamos obstruindo (o progresso nas negociações)”.
O chanceler brasileiro diz que há “um consenso bastante amplo, que vai além do G21, sobre a necessidade de eliminação dos subsídios à exportação (de produtos agrícolas)”.
Essa necessidade foi exposta pelo presidente mexicano, Vicente Fox, pelo chanceler Derbez e também por Rubens Ricupero, o embaixador brasileiro que é secretário-geral da Unctad (braço da ONU para Comércio e Desenvolvimento). Ricupero falou em nome de Kofi Annan, secretário-geral da ONU.
O problema é que a condenação aos subsídios vem de muito tempo, a rigor desde a longa Rodada Uruguai, a etapa anterior de liberalizacão comercial, iniciada em 1986 e encerrada sete anos depois. Não obstante, os subsídios permanecem e até aumentaram desde então, ao menos nos EUA.
Fonte: Folha de São Paulo de 11/9/2003